5 anos morando fora do Brasil

Querida amiga-mãe-expatriada,

Hoje faz CINCO anos que saímos do Brasil. Uau! Como passa rápido. Nem eu acredito como já passou tanto tempo. E nesse tempo, aprendi muito e aprendo diariamente. Sou MUITO agradecia por todas alegrias e perrengues – sim, tiveram muitos perrengues também.

Eu nunca quis sair do Brasil – nunca, que fique bem claro! Infelizmente, hoje não passa pela minha cabeça voltar – só em caso de doença na familia.

Hoje, exatamente nessa data, vendo toda essa situação da greve dos caminhoneiros no Brasil, me bate um certo desespero. Poxa, minha família e azamigas estão lá! O euro batendo 4,65 reais e eu escuto vários comentários “Que maravilha! Você ganha em euros”. Ledo engano. Isso quer dizer, cada vez fica mais difícil da nossa família e amigos virem nos visitar. E nós só vamos uma vez ao ano (Natal/ Ano Novo) para o Brasil.

Migs, não consigo listar todos os aprendizados, mas seguem algumas atitudes/valores que me incomodam profundamente:

Parar de meter o bedelho no que não é seu!

De uns anos para cá parei de comentar/ discutir nas redes sociais e reportagens. Pois é! Eu adorava ir lá e dar minha opinião, por sinal, que ninguém pediu. Também já fui bloqueada, há quatro anos, por duas “bluooogueiras” porque fiz um comentário nada a ver – certa elas! Hoje só marco azamigas nos memes da vida.

Teve um episódio que me fez parar. Era uma reportagem sobre a babá ter que usar branco para entrar no Clube Pinheiros, em São Paulo. Lá fui eu – me achany a dona da verdade – e escrevi: “Eu acho que em primeiro lugar, ela devia estar de folga e os pais cuidando dos filhos pelo menos no final de semana. Em segundo lugar, blá, blá e blá. Em terceiro lugar, mais blá”. Thiago leu e me perguntou: “Você mora no Brasil? Não. Você é sócia do clube? Não. Você tem ou já teve babá? Não. Então, porque está se metendo?” Migs, é bem por aí … realmente, me dei conta o quanto isso já fazia parte da minha vida. Todo mundo adora palpitar sobre tudo. Eu também adorava. Todo mundo adora controlar sua vida. Eu também adorava. Mas eu não sou todo mundo – já dizia minha mãe, quando eu pedia algo (certo, Maiê?).

Sabe com quem está falando?

Uma vez, um cara no aeroporto de Recife bateu no vidro para o trabalhador, que tirava a mala do caminhão e colocava na esteira, colocar a dele primeiro. Oi?

Outra vez, em Porto de Galinhas, o cara que se acha mais importante do mundo estava na piscina. O garçom passou e ele mandou – isso mesmo, mandou! – pegar o celular, que estava em cima da mesa,  e trazer para a piscina.

Vi um video chocante em um beach club, em Jurerê, onde o garçom lavava os pés do homem – super pobre de educação – com champagne caríssima.

Uma vez eu estava na Praia dos Carneiros. A comida, da mesa ao lado, atrasou. O dono do mundo disse ao garçom: “Eu sou juiz, se você não trouxer agora, vou mandar te prender”. Fiquei com TANTA dó do garçom que não tem a menor culpa daquele ser não ter educação.

Já vi briga no avião por assento e tiveram que chamar o Comandante. Hello!

Já vi uma briga de porrada no cinema porque a outra pessoa estava conversando. Fim dos tempos!

Na minha formatura da faculdade, teve uma briga porque dois moleques torciam para times de futebol diferentes. As cadeiras voavam no  meio da festa, em cima dos avós. Pode isso?

Na cidade de Quipapá, onde passei minha infância no interior de Pernambuco, a polícia federal descobriu um rombo de muitos milhões de reais. Afetava até a merenda da escola. Nessa mesma cidade, o Padre virou prefeito e hoje é rhyco sei lá como …

O famoso jeitinho brasileiro.

Já trabalhei quatro anos em Hotelaria. Diariamente os hóspedes pediam para fazer a nota fiscal maior do que o valor correto, para pedir reembolso na empresa. Claro, que eu não fazia!

Eu trabalhava em Marketing e precisava fazer uma impressão grande para a empresa. Fiz uma cotação e a gráfica disse que poderia me pagar 5,000.00, em dinheiro, se eu fechasse com eles. Oi?

Uma médica deu um atestado que a pessoa estava com uma pinta “perigosa”, mas no final era para o plano de saúde cobrir o botox.

Outro médico deu um atestado de tumor no seio, mas era para colocar silicone.

Conheço muitas pessoas que não pagam TV a cabo, e tem TODOS canais liberados em casa.

Carteirinha de estudante. Isso ainda existe mesmo? Para que? Já que 80% deve ser falsa.

No Natal passado, alugamos uma casa, em Porto de Galinhas, pelo site OLX. Tinha contrato. Fizemos o depósito. Foi um golpe, Migs!

A pessoa estaciona o carro na vaga de deficientes e sai andando normalmente.

Senta na cadeira do metrô e finge que dorme quando entra um idoso. Em Londres, eu liguei para pedir meu broche “Baby on Board” (bebe a bordo) – com esse broche pode sentar em cadeira preferencial – e mandaram direto para minha casa. Perguntei se não precisava mandar atestado de gravidez, ele disse: “Para que? Se você falou que está grávida, é porque está gravida”. Migs, imagina isso no Brasil?

Na nossa casa de Londres, o forno quebrou. Liguei para o dono da casa. Ele deu uma champagne com um cartão de pedido de desculpas, e provisoriamente comprou um forno menor enquanto o maior não ficava pronto.

Minha mãe alugou o apartamento para uma empresa, em Recife, quando saíram levaram tudo, não pagaram e estava tudo quebrado. Teve outro inquilino que levou até a pia, juro!

Consegui transferir meu visto para a Holanda. Me perguntaram: “Por quê?”. Sou brasileira, não somente na Copa.

Segurança é tudo nessa vida.

Uma vez eu, meu sogro e Valentina estávamos chegando, de carro, no Rio. Na Linha Amarela, os carros voltavam na contra-mão e um ônibus estava sendo incendiado. Desesperador!

Nessa mesma viagem, estávamos em Niterói. Meu sogro entrou em uma rua sem querer, um cara QUERIDO em uma moto disse que era uma favela e pediu para o seguirmos para a saída. Salvador da pátria!

Eu saio para jantar, mesmo muito tarde, de metro/ tram com jóia – aliás, minha mãe me deu as dela porque não tem onde usar no Brasil.

Em Londres, a noite, eu tinha mais medo de ver uma raposa do que ladrão. Aqui, na Holanda, eu tenho mais medo de ver rato do que ladrão.

Quando eu morava no Chile, era SUPER seguro há quatro anos. Hoje tem o tal de “homem aranha”. Ele sobe pela varanda e entra nos apartamentos. Roubam tudo! Tem até um filme sobre isso – Ninas Arañas.

Um dia eu estava esperando o trem, na Holanda, e veio um cara me elogiar (em dutch!). Eu já agarrei minha bolsa achando que era assalto e fui ver se meu computador ainda estava na mochila. Até a moça ao meu lado morreu de rir. E eu morri de vergonha por toda situação.

Quando eu falo para um colega de trabalho sobre carro blindado … eles falam que nunca viram pessoalmente, só em filme!

Na Bélgica, a Rainha anda de bike. Em Londres, os políticos usam o transporte público. Na Holanda, tem uma sala reservada na estação de trem para a realeza esperar o mesmo trem que os demais.

Óbvio que tem batedor de carteira, roubo e etc … mas não vivemos nessa paranóia maluca.

Preconceito.

Não adianta falar que brasileiro não é preconceituoso. É sim, e muito!

Já tive que escutar que a culpa é dos nordestinos que vão para o sudeste do país – detalhe: minha família toda é de Recife e eu sou “wanna be” pernambucana. Aliás, Maiê, pisou na bola nessa, hein? Eu queria ter nascido lá.

Sem contar as redes sociais, as pessoas se acham muito corajosas e donas da verdade atrás de um computador/ telefone e saem por aí escrevendo os maiores absurdos da humanidade.

Migs, deixa eu te contar … tenho a oportunidade (sou muito agradecida por isso!) de conviver e trabalhar com pessoas de diferentes religiões. Hindus que não comem carne de vaca, mulçumanos que praticam ramadan (aliás, não suporto quando alguém fala algo contra mulçumanos), judeus ortodoxos, pentecostais e tantas outras. Ninguém tenta impor a própria religião. Cada um com sua fé e segue o baile da vida.

Aprendi muito sobre diversidade, acima de tudo o RESPEITO. Não somos da mesma nacionalidade, mas eu respeito a sua cultura e você respeita a minha cultura. Sem julgamentos.

Aprendo muito com minhas filhas que tem amiguinhas(os) de diversas nacionalidades. Para elas, não faz a menor diferença o que a pessoa veste, ganha, compra ou onde mora. No final, todas brincam juntas!

Faça você mesmo!

Tenho uma amiga brasileira que mora nos EUA, Re Dahese, que sempre fala isso: “Como pais fora do Brasil, não temos ajuda então fazemos tudo. A boa consequência disso é que ficamos muito mais conectados como família e os filhos crescem mais independentes”.

O brasileiro acha o serviço ruim em toda Europa. Migs, deixa eu te contar: aquele modelo submisso que vai desde a sua casa até o garçom do restaurante não existe no resto do mundo. A aeromoça também não trabalha só para você. Quantas vezes você escutou: “Estou pagando”.

Se você gerou mais lixo do que devia, vai ter que levar no “lixão” do bairro e pagar por ele. Isso mesmo, pagar por cada kilo.

Se vai comprar móveis, você mesma pode montá-los.

Se você sujou, você limpa!

Essa cultura enraizada de tirar vantagem, casa grande e senzala, humilhar os outros, não respeitar a Lei e achar que é o dono do mundo … não faz mais parte da vida da minha família há cinco anos. Graças a Deus!

É claro que temos outros problemas, aqui, do outro lado do mundo. É claro que muitos exemplos desses acontecem em vários  países, mas com certeza em menor quantidade. É claro que toda regra tem a sua exceção.

Enfim, eu morro de saudades do Brasil, mas essas pequenas GRANDES coisas me incomodam muito. A única certeza que eu tenho é que Deus é brasileiro, e está lá junto com minha família e azamigas! 💙💚💛

 

Postado em MORAR EM AMSTERDAM, MORAR EM LONDRES, MORAR EM MADRID, MORAR EM SANTIAGO, ZERO GLAMOUR.

Prazer, Nati. Mãe da Valentina(2012) e Victoria(2015). Casada com o Thiago Marchi, que me fez expatriar por amor. Moramos em SP(Brasil), Santiago(Chile), Londres(UK), Madrid (Espanha), e Amsterdam (Holanda) no últimos 12 anos. Trabalho em vendas de software, amo viajar (52 países and counting ...) e ler. Bem-vinda ao zero glamour de uma mãe expatriada!

6 Comments

  1. Parabens Nati!!!
    texto lindo e muito importante para que brasileiros reconheçam e parem de se meter onde não foi chamado.
    Love You

  2. Oi, Nat, bom ler sobre suas experiências! Ao longo da vida familiar e profissional , a lucidez e a suspensão de julgamento do outro e dos outros faz um bem enorme e determina o desenvolvimento na melhor direção.
    Quando isso acontece numa família como a sua , todos crescem juntos e crescem mais e melhor.
    Muita sorte pra V , Thiago e as lindinhas !!

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