A (des)romantização de morar na Europa

O sonho de morar na Europa

Quando eu fiz 15 anos, minha mãe perguntou se eu queria uma festa. Eu pedi uma viagem para a Europa (sim, tenho super noção dos meus privilégios). Meu sonho, na época! E viemos para Portugal e Espanha por 45 dias. Lembro que meus pais alugaram um carro, mapa de papel, e eu trouxe fitas com músicas (millennium geração chora!). Rodamos os dois países de norte a sul, leste ao oeste. Desde então, quando eu juntava um pouco mais de dinheiro era para gastar nas viagens para a Europa.

Cada um tem suas prioridades, a minha sempre foi viajar AND atualmente pagar a escola privada das nossas filhas.

Confesso que nunca imaginei minha vida morando aqui, na Europa. Até porque eu nunca me imaginei morando fora do Brasil para sempre. E hoje, não imagino voltar para o Brasil com a familia.

Quando mudamos para aqui, há 7 anos, eu me encontrei no mundo. Sabe aquele rolê de pertencimento? Então aqui é onde eu quero criar minhas filhas.

Morar aqui não me faz cega. Tem dias e dias.

O vento da poha que entra no útero. A chuva sem parar que molha até a calcinha (juro, entendedores entenderão!). O frio de outubro a abril com milhares de camadas de casacos. O rolê do transporte público. Andar de bike é lindo, mas não na chuva e com as compras do mercado rolando pelo chão. Sair para jantar com o marido, vamos gastar uns 40/50 euros somente de babá. A falta de familia perto para um colo nos dias tristes. Isso, realmente, intensificou demais no meio de uma pandemia. Enfim, o conforto padrão e a varanda gourmet da classe meeerrrdia brasileira não tem aqui.

Foto do insta: @ficaadicaholanda

A (des)romantização de morar na Europa

Uma vez minha filha mais velha, com 5 anos, na época, ficou presa do lado de dentro do metrô, e eu do lado de fora. Desesperador. Quando contei para uma amiga que mora no Brasil, ela disse que pelo menos era um vagão de metrô na Europa. Gente, não isso não é OK, tá? Outra vez minha filha teve uma convulsão. Aconteceu a mesma coisa: “Ahhh pelo menos foi na Europa’.

Quiiiiirida, a vida aqui não é a oitava maravilha do mundo!

Não é porque eu moro na Europa que não tenho problemas. Claro, eu não tenho, de muuuito longe, os mesmos problemas do Brasil como segurança, porém temos outros tipos de perrengues que também são difíceis. A minha dor não apaga a sua dor. Vice-versa. Cada um sabe onde o sapato aperta.

Se você está chateada, porque sua babá não faz brincadeiras educativas com seu filho. Aqui, eu nunca conheci alguém que tivesse babá mensalista. Não tem Tio, Tia, Madrinha e Avós para ficarem com as crianças. Enfim, tudo isso pesa na balança.

Se você escolheu mudar, saiba que vai passar perrengue atrás de perrengue.

Coisas que você achava simples, tipo o lixo. Aqui é uma aula de mestrado até entender onde vai cada lixo. Imagina juntar lixo de papel 1 mês em casa.

Estilo Jumanji. Tem níveis de perrengue. Quando conheço alguém que acabou de chegar, eu já tenho vontade de abraçar porque já sei que rolaram lágrimas semanais de tudo junto e misturado.

E a Ikea? Aquela relação de amor e ódio. Comprei em todos países, e by the way preciso passar lá essa semana para comprar uma prateleira de livros. A gente quer uma coisa melhor, mas aí pensa viajar X móvel da Ikea? Só em 2021, quando eu completar 8 anos fora do Brasil que eu vou ter meu primeiro sofá phynah, mas o tapete segue Ikea.

Acho que o pior de todos perrengues mesmo é conseguir emprego. PQP! Nível 122mil na escala de dificuldade. Esqueça seu MBA e pós na melhor Universidade do Brasil. Não vai rolar, porque não tem experiência de trabalho aqui. Vai rolar depois que você ralar em várias entrevistas, e piora ainda em países como Holanda, Alemanha e outros que dependem da língua local. Eu acho muito engraçado essa auto estima brasileira de achar que trabalha muito. Deixa eu te contar, a gente enrola muuuito no escritório no Brasil, porque ficar até ás 21h não é sinônimo de produtividade. As pessoas acham que é só chegar aqui e conseguir emprego. É fodástico!

Depois de tudo isso e mais um pouco, os meus valores de vida e família são muito maiores do que a saudade, entende? Eu consigo conviver com a saudade, mas eu não consigo mais conviver com jeitinho brasileiro, com a falta de segurança e etc.

O que você ganha? O que você perde?

Depende muito de como você vem, mas o saldo é sempre positivo se você levar para o viés de se tornar uma pessoa melhor para o mundo.

Conheci pessoas que venderam tudo, e vieram com duas malas e muuuuita garra. Conheci pessoas que vieram com todo o rolê pago: aluguel, carro, escola e passagem para o Brasil. Conheci pessoas que vieram em familia e um contrato de trabalho local. Conheci pessoas que vieram ilegais.

Enfim, existem 122mil possibilidades, mas o fato que liga todo mundo é essa infinita corda bamba entre saudade e a vontade de ficar.

Cada um é diferente. Cada um tem uma bagagem diferente.

Eu sou uma pessoa zero planejamento, só planejo viagens. E nesse caso, todo mês de janeiro eu já pago todas as viagens do ano para casar a minha agenda de férias do trabalho, com a do Thiago e a escola das meninas (coronavírus uooo!). Porém, antes de mudar e também morando aqui, considero essencial fazer essas perguntas para você não perder sua essência:

Qual é a sua condição como partner?

Isso é MUITO importante.

A maioria das expatriadas muda como partner (acompanhar o companheiro). Vice-versa. Alguns homens também vem acompanhar a esposa, mas em menores casos.

Você precisa sentar e conversar, claramente, sobre o rolê financeiro.

Quem é você na fila do pão de não gerar uma renda? O parceiro reclama dos gastos? O parceiro deixa gastar sem limite?

Enfim, cada relacionamento é diferente.

Eu confesso que para mim foi muuuuuito difícil na minha primeira mudança para Santiago, Chile. Eu fiquei 10 meses sem trabalhar. Não pelo meu marido, mas por mim, porque eu me cobrava demais.

Não pode ser tabu.

Você precisa entender que o dinheiro é da família.  Seu marido também precisa entender isso.

Ele só está onde está porque tem alguém (você!) cuidando dos filhos, escola, casa, comida, roupas e burocracias do dia a dia. Simples assim. Sogras, reconheçam e agradeçam as belas noras expatriadas! Não é qualquer mulher que abre mão da vida, família e carreira para viver o sonho do marido.

Quais são os seus valores inegociáveis? 

Por exemplo, para mim é inegociável não trabalhar.

Eu só vou mudar para um país que eu tenha um visto de trabalho e que eu possa buscar um emprego. Não funciona na minha vida, e consequentemente para minha familia, porque eu estaria infeliz não trabalhar. Happy Wife. Happy Family.

E para você, o que é inegociável?

O que é o meu custe o que custar? Qual é o meu limite?

Eu não mudei do Brasil para ter menos do que eu tenho no Brasil. Não em termos financeiros (certeza que você já pensou nisso!), mas em qualidade de vida.

Hoje, na Holanda, eu tenho a MELHOR qualidade de vida de todos países que morei. O meu limite é esse. Menos qualidade de vida, eu não aceito mudar de país. Juntando isso com minha idade, 39 anos, quero mais é qualidade de vida do que “ter”.

Eu também queria trabalhar na mesma área (TI) que eu trabalhava no Brasil, mesmo se eu precisasse dar uns passos para trás, mas não em outra área.

E para você, qual é o seu custe o que custar?

Tenha sempre um limite. Porque o limite é você que impõe, não o outro ou a sociedade. É importante saber até onde você consegue ir e quando parar. Não aceite nada menos do que isso.