Expatriada: Você não trabalha? Que vida de dondoca, só gasta o dinheiro do marido … quem dera fosse assim!

Amiga-mãe-expatriada,

Tem uma palavra, muito feia, chamada culpa, que todo mundo carrega aqui, do outro lado do oceano.

Eu tenho certeza que no Brasil, você tinha sua casa, família, amigos e um emprego. Não importa se era muito ou poco seu salário, mas era seu e você batalhou muito por ele! Até que um belo dia chega e … você não recebe mais salário.

Fica aquela falta. Sabe a falta que a falta faz? Ela causa um nó na garganta bem difícil de engolir. Você se sente inútil. Vem aquele sentimento de culpa. E esse é o assunto dazamigas de todos os países que eu morei.

Não adianta falar que na sua casa é diferente, porque não é. Todas as expatriadas carregam ou já carregaram essa culpa (poucas bem resolvidas com isso!).

Eu já ouvi: “Você não trabalha. Não faz nada. Só gasta todo dinheiro do seu marido!” Calma … migs, não foi dele – óbvio! Mas no fundo esse é o pensamento da maioria das pessoas quando pensa em uma vida expatriada, adiciona aí suas fotos lindas e dhyvas em vários países, nas redes sociais. Combo perfeito para dar o que falar.

Atualmente, eu trabalho (já falei aqui!) mas já fiquei bons meses sem trabalhar nos países que morei (buscando emprego).

No dia que bater aquela deprê, me liga ou leia isso:

Emprego do marido/namorado/ whatever. Eles não teriam o emprego que tem senão fosse você. Isso mesmo! Poucas mulheres largam toda uma vida (família e carreira), para começar do zero em outro país. É ter muito peito, sim!

Doenças. Eu sempre falo: “Novo país. Novos vírus”. Aqui faz muito, mas muito frio longos meses do ano, as crianças pegam muita gripe e virose. Fora as casas, apartamentos e ambientes antigos do Velho Mundo, cheio de ácaros. As crianças brincam muito ao ar livre, não importa se a temperatura está negativa ou chovendo. Quem cuida? Você!

Mudança. Escolheu a casa nova. Novo país. Iupi! Quem faz a mudança? Você!

Serviços domésticos. Meu marido super me ajuda mas eu duvido que seu marido faça todos serviços domésticos. Quem faz? Você!

Escola. Meu marido deixa as meninas dois dias da semana na escola, e eu levo e busco os demais. Em Londres, ele deixava e eu buscava todos os dias. Quem faz na sua casa? Você!

Comida. Tem homem que adora cozinhar, mas quem faz a comida do dia a dia na sua casa? Você!

Mercado. Eu não piso no mercado, meu marido quem faz as compras. Mas, migs, demorou cinco anos para esse acordo. Quem faz qs compras na sua casa? Você!

Criança acorda de madrugada. Quem vai lá porque o marido precisa dormir para trabalhar no dia seguinte? Você!

Férias. Aqui, na Europa, tem muitos “breaks” durante o ano  e dois longos meses de férias de verão. É para deixar qualquer mae louca. Quem fica as férias todas com as crianças? Você!

Malas para viajar. Finalmente uma viagem, isso quer dizer, uma semana sem lavar roupa e louça. Uhuuu! Quem faz as malas das crianças e até do marido? Você. Ah, desfazer as malas também, claro!

Playdate. Quem leva e busca nos playdates? Quem marca playdate em casa? Você!

Burocracias. Quem faz todas as coisinhas chatas no novo país? Marido está ocupado no trabalho. Você!

Festinha de amiguinho. Quem compra presente, leva e fica na festinha? Você!

Roupa das crianças. Quem presta atenção que está suja ou precisa de roupa nova? Você!

Vacinas. Uma curiosidade: nós temos quatro cadernetas de vacinação, de diferentes países em diferentes línguas. Na sua casa, quem cuida disso e leva para vacinar? Você!

Família vem visitar. Quem tem que entupir a geladeira, arrumar casa, quarto e banheiro? Você!

City Tour. Quem tem que mostrar a cidade toda para a família do marido, enquanto ele trabalha? Você, até eles aprenderem a se virar.

Babá. O marido quer ser romântico e te chama para sair. Quem tem que arranjar babá? Você!

Aí você escuta … “Nossa, que vida maravilhosa na Europa, você não faz nada!”. É de chorar, e chorar muito! Ninguém enxerga – muitas vezes nem o marido valoriza – o super trabalho de uma expatriada.

De vez em nunca, você tem uma folga e resolve passear. Tem vontade de comprar aquele casaco lindo, que vai usar 10 meses no ano … mas aí vem a danada da culpa com tudo! “Eu não trabalho. Como assim vou gastar o dinheiro do meu marido?”.

Amiga-mãe-expatriada, você tem vontade de fazer massagem, cortar o cabelo, fazer a unha, sair dessa vida de Gata Borralheira e pensa … “Eu não trabalho. Como assim vou gastar o dinheiro do meu marido?”

Migs, o dinheiro do seu marido não é dele, é de vocês. Não importa se você não trabalha. Com certeza, foi uma decisão em conjunto sair do país e começar uma nova vida em família. Ele pode trabalhar focado e viajar 122mil países durante a semana, simplesmente porque você cuida da pohhhha toda, certo? Isso mesmo. Simples assim.

Se você está começando uma nova vida, em um novo país, minha recomendação é conversar com seu marido – como será nossa situação financeira? Tenho amigas que preferem uma “mesada” do marido, outras sentem vergonha e gastam o dinheiro que ficou na conta do Brasil, outras gastam metade no cartão e metade em dinheiro (para o marido não perceber), outras só gastam em dinheiro, outras prestam contas de todas as compras e as poucas (caríssimas!), que são muito bem resolvidas, ligam o f….!

Essa situação é “provisória definitiva”. Você não sabe quando vai arrumar emprego e nem quanto tempo vai morar naquele país. Também nao pode planejar seus sonhos, porque nao sabe onde estará daqui a um mês ou no próximo ano. Vive a vida de partner – nome do visto dado em função do marido.

Uma dia, minha filha mais velha, de 5anos, ficou presa dentro do vagão do metro, em Amsterdam. A porta fechou e o metro andou. Eu estava ao lado de fora com minha filha mais nova. Sabe desespero da vida? Sei lá se ela iria descer no próximo ponto. Pior ainda, não fala dutch. Enfim, contei sobre isso e escutei: “Pelo menos foi em um metro na Holanda, não no Brasil”. Outra vez, a mesma filha teve uma convulsão em Londres, eu tinha acabado de chegar e não sabia o número da emergência (dica: primeira coisa a saber no país!). O que eu escutei? “Pelo menos foi em Londres”. Migs, óbvio que temos problemas diferentes na Holanda, em Dubai, na Austrália, na PQP. Eles são problemas diferentes do Brasil … mas eles não deixam de ser problemas.

Algumas amigas comentam que se sentem “emburecendo” por não trabalhar. Não estão! Migs, é muito aprendizado para a vida toda.

Portanto, para você, aí do outro lado do oceano, que julga uma expatriada e nunca viveu nada disso … por favor, pague nossas contas (já que não podemos gastar o dinheiro do marido), lave nossas roupas e louças, cozinhe para nós todos os dias, cuide dos nossos filhos, procure a melhor escola e faça a integração dos nossos filhos, faça novas amigas para você, faça novos amigos para seu filho, tente explicar 122mil vezes para os nossos filhos o motivo de não morarmos no Brasil,  more em um flat por meses com duas crianças pequenas, limpe nosso quintal, procure um emprego novo (tenho amigas que estão buscando há nove meses/um ano), leve nossos filhos ao médico ou ao hospital de madrugada quando o marido viaja, aprenda uma, duas, três novas línguas, estude sobre a cultura de cada país. Quando você cansar … comece tudo isso do zero, novamente, em um novo país. Fiz isso em Santiago, Londres, Madrid e Amsterdam nos últimos cinco anos. O seu sonho é muito diferente da nossa realidade.

Postado em MORAR EM AMSTERDAM.

Prazer, Nati. Mãe da Valentina(2012) e Victoria(2015). Casada com o Thiago Marchi, que me fez expatriar por amor. Moramos em SP(Brasil), Santiago(Chile), Londres(UK), Madrid (Espanha), e Amsterdam (Holanda) no últimos 12 anos. Trabalho em vendas de software, amo viajar (52 países and counting ...) e ler. Bem-vinda ao zero glamour de uma mãe expatriada!

7 Comments

  1. Pingback: Vale a pena trocar seis por meia dúzia na carreira x maternidade? | Expatriada por Amor - Blog de Natália Campos Marchi | Expatriada por Amor - Blog de Natália Campos Marchi

  2. Não poderia ser mais real!
    Obrigada pelo texto 🙂
    Exceto pelo fato de que não tenho filhos, retratou a vida!
    Bjos

  3. Muito bom! É importante as pessoas saberem como é bem diferente ir para morar e ir para passar férias. Bjs

  4. Muito bom e realista.
    É importante que tanto quem vive ou quem quer morar no exterior, entenda a realidade financeira e o quanto isso pode impactar na vida do casal.
    Parabéns!!

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